Líquidos...

Redescubro que sou um rio, que corre como um milhão de cavalos desesperados em direção à... que? Quero parar essas minhas águas doentes, pois corro cansado. Quero ser sólido, pela primeira vez. Formei-me gelo outro dia e congelado, pensei ter conseguido alguma forma. Porém, vindo o degelo, me desfiz em corredeiras dolorosamente duras e ainda menos sólidas do que jamais foram. Quero ser rocha. Vejo pedras, montanhas, desfiladeiros...estátuas... O amor é assim, como um gigante de diamante. Translúcido e absolutamente sólido. Forte e geométrico, sabe exatamente aonde vai pois se move na medida de sua vontade. Não conhece a tensão, apenas a calma brisa de uma vida tranquila. Não tem pressa, já que a pressa pertence ao tempo e o tempo... o tempo é das águas.

domingo, 23 de dezembro de 2012 às 18:11 , 0 Comments

Ser só

Vivendo descobri que o cansaço só pesa para o lado certo, em direção aos abismos tudo é mais leve. Ficar parado é sobreviver e se mover é um risco. Qualquer direção é dolorosa, porém, em algumas há momentos de beleza infinita e amor palpável, intenso. Nunca escolhi um caminho assim. Tenho notícias, lendas, rumores. Por onde ando vejo sonhos como nuvens: distantes, etéreos, às vezes belos, outras vezes tempestuosos, mas sempre vivos. Absorvo-os, vivo-os e alimento-me à distância, depois sigo andando. Nunca toquei nada. Percebo agora que sou eu quem é feito de alguma substância gasosa. De tanto me dobrar para dentro, joguei fora a matéria sólida. Meu corpo e meus instintos se atrofiaram assim que aprendi a fugir. Só sei correr para o lado errado. Gosto de sentir o vento forte, a terra bruta sob os pés, é só o que conheço. Aprendi a imaginar vidas diversas nos contornos sombrios que se formam entre as silhuetas das árvores. O cheiro podre da decomposição já é familiar, fico desconcertado quando ele some. Não sei agir quando há sol. Finjo de morto ou me desespero. Sinto a pele queimar, o rosto se desfigurar e a gordura se desprender de minha enorme barriga, escorrendo pelas pernas. Derreto monstruosamente e consciente disso. Não suporto que me vejam assim, e é assim, apenas, que me vêem. É tudo que sei mostrar, meu único reflexo: irrefreável, involuntário. Às vezes tento, inutilmente, segurar esse meu eu liquido com as mãos, mas escorro por entre dedos temerosos, diluído em lágrimas sutilmente disfarçadas e suor fétido. Quando o sol se põe, volto correndo para as sombras. Congelo. Endureço até não poder me mover mais e quando acho que finalmente aprendi a viver estático, o sangue frio exige calor. Queria ser como essas árvores: fixo, estável, mas principalmente, coerente. Não sou o que deveria ser, e também não sou como não deveria ser. Não pertenço à nenhum lugar, à ninguém. Não faço parte dessa vida e ainda assim, não tenho escolha, não há para onde ir. Não, não, não. Minha vida sempre foi, e desconfio que sempre será, um grande NÃO. Até que eu me conforme e aceite que a resposta para todas as minhas perguntas é a mais óbvia, e é aí que todos as peças se encaixam. Olho com uma inveja destrutiva para o mundo. Destruo o máximo de sonhos e alegrias que consigo. Infecto à todos que consigo alcançar. Passo pela vida como uma doença. Na luta pela sobrevivência, ocupo cada espaço, infiltro-me em cada célula, cada vaso, cada órgão... até o fim. Depois, saio rasgando a pele e ando curvado em busca de um novo hospedeiro. Deixo para trás olhos enjoados, corpos alérgicos e arrepios de repulsa. Sou indesejado e inevitável. Não sei como é para as pessoas a minha existência, no entanto, para mim, é esmagadora. Um verme não escolhe ser um verme, ele é, e à partir de ser, não há mais volta. Depois de nascer, todos temos de lidar com estar presente hoje, nesse lugar, dessa maneira, junto dessas pessoas. Há aqueles que voam leves e graciosos por cima, outros, escorregam pelas frestas e deslizam viscosos por atalhos escondidos. A grande maioria se junta em um estouro de manada e sai passando por cima de tudo no caminho. Amassados uns contra os outros, só lhes é permitido olhar para frente, um só desvio e você é pisoteado. E existem aqueles como eu, parasitas, que existem por acidente. Erros que não se encaixam no grupo dos erros. Ilhas isoladas e tóxicas, de olhos enormes, condenados a viver afogados em um mar de desejos incinerantes, olhando de longe e torturando violentamente tudo que ouse chegar perto demais. Como é impossível se acostumar à dor, o corpo esquece como é ser gentil. O grande mal da vida não é a morte, é não poder escapar de si mesmo.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012 às 18:38 , 1 Comment

Adeus cotidiano

Sentei-me aqui e resolvi relembrar. Faço isso com frequência. Essa poltrona vermelha já ouviu tanto de mim. Conto-lhe o que passa por aquela janela ali, minha querida companheira.Vejo através do vidro basso em mosaicos, pedaços de imagens. Algumas pessoas atravessam por engano a janela e ficam presas aqui comigo durante um tempo, em carne viva, doloridas e cortadas. Esfrego-me em suas feridas excitado, lambendo o sangue de sua genitália, ardendo de prazer enquanto gritam. E enfio meu pau sujo e inchado  em seus cortes, infecionando e abrindo ainda mais as feridas. Estupro-lhes até que seus cus estejam largos e as fezes escorram pela perna incontidas. Chupo seus pintos até que gozem sangue, enquanto aperto suas bolas até estourar. Mordo suas vaginas até que pedaços de carne me saiam na boca. Depois, tiro-lhes os cacos, sem anestesia. Sádico, lhes arranco a pele morta e costuro o que resta vagarosamente, que é para  olhar as entranhas e vê-los sangrar . Mas, eventualmente, acabam se recuperando e arranjando um jeito de sair. Não me importo tanto assim. 
Desaprendi a amar há muito tempo, por falta de prática. As pessoas não merecem amor, são todas hipócritas, eu incluso. Tem gente que passa a vida reclamando, outros criticando, uns ofendendo e ainda tem os que mentem, só para depois dar as mãos à todos os antes odiados e dançar com os primeiros que estenderem a mão. Acho que é isso que buscamos, mãos estendidas para nos puxar da agonia desse eterno afogamento que é a vida real. Um outro alguém, que suavemente lhes toque os lábios com os seus e sopre, tirando-lhes a água negra e amarga dos pulmões, em uma torrente fulminante que os esturrique a traqueia e os tire a voz .
Sou um velho. Grisalho do tempo que não vivi, de mil arrependimentos. A pele enrugada é cheia de dobras nos tantos lugares intocados, que se esticaram para as mãos que passaram longe demais. Banguelo e com a língua podre de maldizer os que vivem bem e felizes. Impotente de tanto gozar sozinho bilhões de sonhos em esperma branco e pálido. De pés tortos e mofados, atrofiados por viver sentado. Entretanto, tenho ouvidos atentos e olhos de águia. Sinto esse mundo inteiro com tanta intensidade que fico paralítico. Tenho um cérebro vivo, cujo corpo não responde. Tenho uma voz alta, potente, aguda e vibrante, soterrada em uma garganta fechada e curta demais para produzir som.
Do lado de fora do vidro, há um grande teatro. De vez em quando, todos temos de participar de alguma peça. Arrasto-me até lá e tento achar pessoas que estejam dispostas a contracenar. E quero tanto acreditar. Entrego-me de corpo e alma à obra, sinto cada palavra que digo, sou cada sorriso e cada lágrima derramada, existo ali naquele personagem e esqueço que tenho de voltar. Só para depois descobrir que todos seguem um script e nada dito ali é de verdade. Acreditei que 'sempre' era sempre. Que 'ninguém' era ninguém. Que há coisas que nunca mudam. Mas tudo muda. As pessoas mudam e o que você tem a oferecer, as vezes, não é suficiente. E eu não fui diferente. 
Tive o prazer de uma longa companhia que se foi. Pude observar longa e duramente enquanto nos afastávamos cada vez mais. Enquanto cada um escolhia um caminho e seguia por uma direção diferente e incongruente. Já fomos iguais, ah se fomos. Ela também teve o mesmo apetite que eu. Porém, seguimos caminhos diferentes. Eu espero dentro dessa casa. Essas paredes são meu corpo e estou seguro aqui dentro. Ela não quis segurança, quis experimentar. Nunca se contentou com um corpo por vez, queria vários, queria o mundo inteiro. Eu lhe chamava arrogante, ela me chamava medroso. Sou, na verdade, invejoso.
Que bom que nos conhecemos antes então, pois acho que nos odiaríamos agora. Sinto que sempre precisarei de sua companhia, tanto quanto antes, embora ela não seja minha mais. Encontrei ao longo do caminho outras sombras para serem queridas, outros corpos para usar, e eventualmente, compartilhar da   minha loucura, mas só cometi o erro de deixar que se aproximassem tanto algumas poucas vezes e há tempos que não permito mais. Cada uma, a seu tempo, foi-se distanciando. Parece-me que todas elas estão me deixando para alcançar suas próprias vidas em lugar onde eu não as possa abusar mais. Fui e sou eternamente dependente, ainda que exija demais. Abuso até matar aqueles que me cercam e é por isso que a minha volta só existem corpos. E memórias. E um amor tão grande e doloroso, insuportavelmente pesado, esmagador. Alguns o aceitam, mas descobrem que não é o que esperavam. E sobram no fim somente eu e essa poltrona, acorrentados para sempre um ao outro, nesse silêncio que sempre volta para me perturbar, nessa solidão que é a única verdade, olhando enquanto pouco a pouco a cortina se fecha.
E no fim, ao que parece, há ainda tanto restante aqui, que acabo imitando você. Não foi por querer e é por isso que não estou triste, pois ainda tenho tudo aquilo que suguei guardado em mim, e é o bastante para sobreviver por enquanto.

sábado, 28 de abril de 2012 às 17:00 , 0 Comments

Talvez um fim.

Olhei profundamente dentro de seus olhos, não encontrei. Há algum tempo ando reparando que estava descamando, só que eu também estava e acabei não dando importância. Virei o corpo vazio de um lado para o outro, procurando por onde tinha saído. Não encontrei nada: nenhum buraco, corte ou hematoma.  Somente as antigas cicatrizes, deixadas para trás. Desapareceu no ar. Melancólico era aquela corpo. Inerte, completamente sem cor contra o chão de madeira.  Nem os olhos, nem os cabelos, nem a pele, nem a língua, nem as unhas, nem o vestido, nem os sapatos: nada tinha cor. E não se mexia mais. Antes era uma bailarina absolutamente cansativa, dançava sem parar a mesma música, que cantava incessantemente. Parava para respirar de tempos em tempos, depois retomava. Os dias eram sempre nublados aqui, gostávamos disso, preferiamos assim. Tornei-me acostumado aos dias cinzas e acabei por tentar escurecê-los ainda mais. Ela não. Embora odiasse o sol, gostava das cores. Tentava sair daqui. Chegava até a ponta, até quase cair, mas voltava sempre, quebrada. A porcelana era frágil demais. Remendávamos aqui e ali, costurava com as minhas cordas e ela se entregava à música novamente. Eu, sempre sentado, pesado, preferia não me mover, não me dava conta de que era uma âncora cosida à ela. Rodopiava em volta de mim, me instigando ao movimento, saltando, gritando, aguda e vibrante. Confesso que tive vontade, mas não coragem. E o ciclo continuou. E os dias se escureciam. E eu parei de me importar. Olhei para o outro lado, procurando alguma novidade. Arrastei-me pra longe dela, achei que não iria embora, estaria ali quando voltasse. Agora que voltei, eis como a encontro. Primeiro pensei em traição, ela arrumou um jeito de ir e me deixou para trás, amarrado à essa concha cheia de lembranças, mas vazia de consciência. Porém, investigando melhor, descobri que não foi consciente. A cada volta, a cada respiração, a cada pirueta e salto, ela partia. Pelos poros, pela saliva, pelo suor, sua essência foi-se com o tempo. Não é que ela tenha fugido, é só que, ela esse corpo não era mais seu,  e eu não reparei. Agora, ela é adequada para viver no mundo de lá. Ela transcendeu para o lugar onde todos que passam por aqui vão, e eu fiquei. Daqui, consigo enxergar uma silhueta borrada, flashes em negro e vermelho, do lado de lá do vidro. Esforço meus olhos e meus sentidos para entender o que está acontecendo. Enquanto isso, os flashes ficam cada vez mais escassos, e eu, desconfio que nunca mais chegarei a vê-la novamente.

sábado, 21 de abril de 2012 às 11:23 , 0 Comments

Intenções

Estou triste hoje. Não por mim, mas por uma pessoa muito especial que não merecia o que está passando. Gostaria de poder fazer algo. Eu rezaria, acreditasse. Acredito em pensamento positivo, em esperança. E ficarei torcendo, do fundo da alma, para que tudo dê certo. Não sei muito o que dizer, mas senti que eu deveria escrever algo. Senti que deveria registrar o respeito e a gratidão que sinto tão profundamente. Dizer que eu gosto de pensar que as coisas boas vêm para as pessoas boas, que nada é em vão e que eu quero muito que as coisas se resolvam da melhor maneira. Quero também que esse caminho não seja de tanto sofrimento e que termine bem, de uma forma ou de outra. Dizer que eu também tenho medo e mesmo podendo só imaginar o que se passa no seu coração, eu me sensibilizo e meus pensamentos estão com você. Penso que essa tristeza que se instala nos corações de todos seja uma forma de amor também, uma forma de homenagem e de dizer que você é importante, que você faria muita falta. Então, você não deve esconder a sua doença, deve lutar apenas, e deixar que nós ajudemos suportando nem que seja um pedacinho dela com você. Confiarei que tudo dará certo.

segunda-feira, 16 de abril de 2012 às 18:22 , 1 Comment

Não conte pra ninguém!

Há quanto tempo eu não passo por aqui! Volto de vez em quando, releio alguma coisa, vejo os comentários antigos. Nada mudou. Continuo com os mesmos medos, as mesmas esperanças, os mesmos sonhos, as mesmas fantasias. O mesmo hábito de fazer lista das coisas. Acho que estou começando a me acostumar. As coisas são do jeito que são. Pensar em destino me acalma. Quer dizer que não tem como mudar mesmo, o problema não sou eu. E todos os outros textos falando a mesma coisa. Anos. Pelo menos tenho coerência. Andava pensando que era meio sem personalidade. A paisagem mudou. As pessoas também. Mas ainda continuo na mesma. Será que o problema sou eu mesmo? Continuo esperando alguém fazer as coisas por mim. Tenho medo de fazer e não conseguir. Tenho medo de tanta coisa e fico paralisado. Por que é que todo mundo consegue ter coragem, engolir os sapos e fazer o que tem de ser feito, quando eu consigo apenas gaguejar, esquecer tudo e travar, e as coisas boas passam direto para o próximo da fila. Será que tem remédio para isso? Não consigo olhar nos olhos das pessoas. Não consigo mesmo! As vezes tento, mas me dá um desconforto tão grande que não consigo pensar! Aí olho para outro lugar. Meu corpo rejeita o contato. Converso com as pessoas olhando para o além. Hoje eu falei algo com a professora na sala de aula, no intervalo, e ela citou isso durante o segundo horário da aula. Ela apontou para mim e eu quase morri! Meu coração dispara, a garganta fica seca...um ataque de pânico mesmo! Quando estou aqui pensando sobre as coisas, tudo parece tão possível. Penso em ir lá e falar na frente de todos; em cantar em um palco enorme; enceno mil peças na minha cabeça. Mas se eu não consigo suportar o olhar dos meus próprio amigos. Da minha mãe! Acho que não consigo. Juro que tento lutar contra isso. É só que meu corpo não responde, ele luta contra. Na hora que eu preciso de forças, me vem um medo tão grande, uma fraqueza enorme, daí eu fujo. Quantas vezes eu já disse não para coisas que, na verdade, eu queria gritar "sim, pelo amor de Deus!" por puro impulso do medo de aceitar. A vida anda se tornando desconfortável, enquanto eu assisto o mundo se movendo em volta. Para todo mundo, menos para mim.

sexta-feira, 23 de março de 2012 às 18:10 , 2 Comments