Quando ser água

As nuvens de chuva são, para mim, um bom lugar para se viver. Seria bom rodar, planando, por entre as gotas e a névoa escura. O calor dos raios faria a temperatura oscilar e, na dança do quente e frio do ar a meu redor, eu seria etéreo. E viveria a girar. Cada gota seria irmã, pai, mãe e eu de mim mesmo. Pulsaríamos uniformes de encontro ao destino que nos aguarda a todas as nuvens de chuva: chover. Choveríamos como chovem as tempestades mais intensas - lavando consigo o que há de descoberto no mundo. Levemente, cairíamos sobre o mundo cru, enquanto cada parte de mim faria o som da minha voz retumbar no clique-clique dos pingos de nós, quando tocássemos a pele honesta do que se nos oferecesse. Com nossas pernas líquidas correríamos as reentrâncias mais profundas da existência, numa costura intrincada, até formarmos o texto da vida-água de existir enquanto chuva que caiu; para, em seguida, no tempo que só a mãe d'água pode ditar, derretermo-nos em gás... Vento úmido de água evaporada que sobe quente, quente e quente até esfriar. E no esfriado de nosso corpo gasoso é que nos reconheceríamos como bailarinos no céu, confusos de nós mesmos como nós mesmos, embora certos do céu que a tudo cerca.
E é por isso que, hoje, quando olho para o céu, não me sinto mais só.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014 às 18:48

3 Comments to "Quando ser água"

Este comentário foi removido pelo autor.

Fiquei pensando em um comentário digno para postar, mas só me veio uma ideia na cabeça: esse foi um dos textos mais tangivelmente belos que li nos últimos tempos, de verdade.
Senti uma chuva caindo em mim ao mesmo tempo em que me transformava em chuva dançando no céu.
Luiz, por favor, continue fazendo isso.

Ahhh Luana, acho que escrevo só pra você ler, a sua leitura é que deixa tudo tão belo =D