Monotom

-Qual é o problema do vaso, Anita?
Perguntei, sem esperar uma resposta convincente.
- Esse trombolho fica no caminho, ninguém consegue passar por esse canto!
-Anita, você está ciente de que não existe "passar" em um canto de fundo da sala, o que raios alguém faria ali?
-Mas se eu quiser passar, por exemplo, esse vaso tira a minha liberdade de poder utilizar esse espaço.
-Então você pode usar o espaço, se lhe convir, mas eu não posso colocar um vaso lá?
-Não sou só eu, todos que quiserem.
-Mas só temos eu e você morando aqui.
-Eventualmente teremos visitas e eu quero que as minhas visitas possam andar pela minha casa.
-E elas não podem se contentar em andar por TODO o resto da casa?
-Você é tão egoísta! O que é que custa tirar o vaso daí?
-Eu gosto dele! E essa casa é minha, se eu não puder deixá-lo aqui, onde deixarei?
-É pra isso que você tem aquele escritório, coloca lá.
-Então, da casa inteira, eu só posso usar o escritório?
-É claro que não... Mas você não entende que o resto da casa é de todos e todos devem gostar do que se coloca nela!
-Ah é? Então tire aquela penteadeira que você colocou no nosso quarto, eu não gosto dela.
-Aquilo é diferente, é uma herança da minha avó.
-Então mova pelo menos, você sabe que detesto espelhos e aquele fica exatamente de frente para o meu lado da cama, não consigo dormir direito!
-Poupe-me, é apenas um espelhinho. Você já é grande, pode lidar com isso. Além do mais, é a única memória  que eu tenho da Vovó Cacilda, amava tanto ela... Gosto de ter aquilo perto de mim, faz eu me sentir segura.
-Então vamos trocar aquela poltrona roxa duríssima que está na sala, não existe mais sombra de almofada naquilo.
-Bobagem, ela nem é tão dura assim...
-Você fala isso por que sempre senta na outra, azul, que você me fez mandar reformar.
-Ela sempre foi a minha favorita desde o início.
-Deveriamos ter mandado as duas.
-Tenho certeza que você está exagerando, a poltrona parece perfeitamente confortável, para quê gastar dinheiro à toa?
-Anita, você nunca me dá ouvidos, por que as coisas sempre tem de ser do jeito que você quer?
-Isso não é verdade! Eu faço o melhor que posso para deixar a casa agradável para você e, quando eu falo qualquer coisa, você já vem com essa história de que "nada pode"! Você deveria dar mais valor ao que eu faço por você ao invés de se fazer de vítima o tempo todo!
-Eu não me faço de vítima, eu só quero...
-EU vou te dizer o que você quer, você quer discordar, fazer tudo ao contrário, nada está bom para você!
-Mas Anita...
-Mas nada! O vaso vai sair daí por bem ou por mal, ou você tira ou eu jogo fora!
-Então tudo bem, vou começar a jogar fora as suas coisas também!
-Não vai nada, eu não fiz nada de errado, quem está passando dos limites é você!
-Tudo isso pro causa de um vaso?
-Se você não tivesse imposto o vaso à nossa casa, nada disso teria acontecido, a culpa é sua!
-Então você pode jogar as coisas fora como bem entende, mas eu não?
-Que conversa é essa, eu não jogo as coisas fora o tempo todo!
-Joga sim, você jogou aquela blusa que eu te dei de presente no nosso aniversário de casamento.
-Ah mas é diferente, aquela blusa não servia pra nada, me deixava completamente reta!
-Mas foi um presente, Anita...
-Exatamente, você me deu, então eu podia fazer o que quisesse com ele.
-Mas então por que você não deixou eu fazer o mesmo com aquela blusa verde que você me deu no natal passado? Eu cansei de te dizer que eu me sinto sufocado com aquilo.
-Você não entende nada de moda, eu já te disse que ela combina com você.
-Mas... Não gosto! Me sinto feio!
-Deixe de bobagem, já disse que fica bom!
-Então não posso mais decidir...
-Ah não, lá vem essa conversa de novo! Ninguém te obriga a estar aqui, se nada está bom, vá embora! Talvez seja isso, talvez devamos nos separar, se não podemos concordar em nada!
-Fico por que amo você, acho que é você é quem não me ama mais.
-Tudo é você, não é? Eu estou sempre errada. Eu que não entendo, eu que não amo. Você já pensou em se colocar na minha posição? Já pensou em como eu me sinto?
-É só isso que tenho feito todo esse tempo...
-Pois eu não sinto nada disso! Não me sinto amada o suficiente, não me sinto respeitada e valorizada nessa casa! Veja só esta conversa: eu te pedi uma coisa, UMA coisa simples, e você não pode fazer para mim? Não! O que você faz no lugar? Joga na minha cara tudo que te incomoda em nossa vida! Esse é o seu amor?
-Não, você não entende, eu...
-Eu nada! Não quero ouvir mais. Acho que é isso, estou infeliz aqui. Esse lugar me deixa triste!
-Não chore, Anita. Seja razoável...
-Então nem chorar eu posso mais? É isso, irei para a casa da minha irmã. Está aí, tá vendo? O senhor não é o senhor perfeito? Você nunca gostou da minha irmã e sabia que isso me machucava!
-Como assim? Nunca fiz nada contra ela, sua irmã é quem, desde o início, sempre me destratou, inclusive na frente de toda a sua família!
-Ela tinha ciúmes! Sempre fomos muito apegadas. Você nunca procurou compreender a situação dela também!
-Ciúmes, Anita? Ela fala sempre que pode que "preto é tudo safado"! E você acha que eu não sei que é para mim?
-Você leva tudo muito a sério, é só uma piadinha, todo mundo ri!
-Muito engraçada essa piada, realmente, e todo mundo, nesse caso, é você.
-Eu tenho senso de humor. Não tente inverter as coisas, estou dizendo que vou embora, não duvide de mim!
-Tudo bem, Anita, então vá! Quero ver você arrumar outro trouxa para aguentar isso por tanto tempo!
-Tá vendo!? Você estava só esperando eu me cansar para pular fora, você queria que isso acontecesse desde o início! Você nunca me amou e eu fiz tudo por você! Você está pondo tudo a perder, tudo que a gente construiu, a nossa família, nossos planos, nossos sonhos, nosso amor, nossa vida! Jogue tudo fora mesmo!
-Irei dormir, Anita, estou cansado. Cansado dessa discussão, cansado de ter de justificar todas as minhas ações. Amanhã tenho de trabalhar cedo e...
- Você está cansado? Imagine como eu estou! Eu é que me desgasto, eu é que fico o dia nessa casa, trabalho feito uma louca para que tudo aqui fique do jeito certo, para que você possa ter uma vida boa! E qual é o pagamento que recebo?
-Estarei no meu escritório, felizmente você me fez mover a minha antiga cama de solteiro para lá. Boa noite.
-Viu só? Para você é tudo simples! Mas a verdade é que até para fugir você depende de mim! Você deveria era me agradecer ao invés de fazer toda essa cena! Boa noite, e pense bem sobre como seria a sua vida sem mim. Se eu for embora, a culpa será sua! Será que você conseguiria ter paz?

domingo, 10 de novembro de 2013 às 06:33 , 1 Comment

Mãos

Cansado, estendo mais uma vez estas mãos negras ao infinito. Daqui, vejo marcas e cicatrizes involuntárias de feridas abertas pela minha própria indecisão. O sangue que escorre das feridas novas e antigas é áspero e não traz o conforto do cotidiano. É fria a dor de agora, não lateja nem reaviva os nervos atrofiados. Estes dedos duros galgam sonhos que não combinam com a brutalidade de um desejo morto e tóxico, embora não deixem de tentar. Acostumados a moldar a leve fumaça azeda, produzida pela decomposição da própria carne, em formas que parecem e são a mesma coisa de sempre, desaprenderam a tocar o sólido. Em algum momento, deixei de ser natural e passei a ser... um futuro ser, um sonho teimoso de ser que está sempre prestes a desaparecer, mas insiste, graças a umas pequenas e doloridas velinhas acesas em volta, que são sabem o mal que fazem ao mundo e a essas mãos tortas, podres, negras, doídas e terrivelmente magoadas, ao fazerem tão bem a elas...

quinta-feira, 18 de julho de 2013 às 17:49 , 0 Comments

Momentos

Tenho medo de ter me perdido em algum lugar distante demais para eu lembrar. Ou pequeno demais para eu achar, mesmo que tenha tempo de voltar tudo. Não me sinto bem. Não me sinto nada bem. Cada uma de minhas decisões estão deixando ver seus resultados e nenhum deles é agradável. Não me sinto feliz com nada do que se me apresenta. E, no entanto, não sei o que fazer. Se alguém me desse, nesse momento, livre escolha: não teria o que dizer. Quero apenas uma coisa nessa vida, mas não é possível viver simples. Não é possível viver uma única vida. Estou parado no tempo e o tempo, no entanto, não para. E eu queria tanto ser como todo mundo...

domingo, 28 de abril de 2013 às 15:52 , 0 Comments

Sumindo

Talvez eu lute contra o destino, não sei. Às vezes eu exijo e me bato contra as chances. Mas é só por que, para mim, amar não é matemática, não é questão daquilo que faz mais sentido ou que seja mais provável... As pessoas não se juntam porque podem estar juntas, elas se amam porque devem se amar. E o meu amor é dever rude, que, em toda sua brutalidade, não aceita ser direcionado.Ele vem e fica um tempo... Depois se vai e eu fico esperando, acariciando as rachaduras que aos poucos cicatrizam em minha alma. Guardo todos os papéis rasgados comigo, que é pra me lembrar de não pensar que eu tenha alguma vontade no que diz respeito a mim mesmo. Embora eu ainda seja racional demais. Quero me livrar de todos os pesos que me pressionam. O problema é que eu não sei não me importar. Faz parte de mim me preocupar e ponderar. E temer, acima de tudo.  Mas, de pouco em pouco, o cansaço encobre o que me resta de medo e, algum dia, hei de acabar em sombra. Hoje, nesse instante, com todas os momentos felizes que vivi e todos as lembranças doloridas: eu não sou o suficiente para existir.

segunda-feira, 15 de abril de 2013 às 18:44 , 0 Comments

Distante

Devoto-me aos amores que conheço: os meus. Dentro deles, sinto inevitavelmente tudo que devo sentir. Aqui sou de fato feliz. O tempo é limitado, não preciso de muito. Preciso apenas de doses diárias de qualquer sensação que seja. Abraço-me de dentro para fora. Todas as minhas dobras envergam para dentro. Enferrujei por fora e apareço como uma carcassa mal cuidada. Perdoem-me se não me preocupei com o lado de fora, o que acontece é que se eu descuidar de dentro, desmorono. E aí eu não sei se consigo voltar... Agora, acredito que seja dificil demais desfazer a postura. Teria de trocar peças que não existem, tirar partes que não podem ser tiradas, deixar para trás dores que, hoje, dizem mais de mim do que qualquer sorriso. Pretendo uma vida feliz. Sonho com momentos especiais. Não preciso de fogos de artfício ou grandes espetáculos. Quero coisas simples, sacio-me fácil. Sou uma alma de pouco apetite, mas de grande vontade. Quero mais do que posso ter, pois o que desejo é tão pequeno que só faz falta a mim, então acham que é pirraça. Cada passo que dou nessa vida, e acredite no que eu digo agora, pois não há nada mais sincero em mim, vai na mesma direção. O problema é que eu não sei andar sozinho. Sei aonde quero chegar, só não quero ir lá ainda. Preciso de autorização. Faltam-me aqueles olhos. Não é que eu queira me submeter ou me anular. Porém, não me desculpo pelo atrevimento de dizer que o faria de bom grado, só pela vontade de sentir de verdade o que é ser tocado.

sábado, 16 de fevereiro de 2013 às 19:03 , 0 Comments

Outra visita

Sabe qual é o meu problema? O meu problema é que eu sempre retorno à essa mesma poltrona vermelha para dizer das mesmas danças, dos mesmos gestos, dos mesmos corpos que eu vejo se distanciarem de mim. Somos amigos aqui, nesse espaço, eu e minha melancolia. Preciso de respostar que ninguém tem para ser estável e é por isso que estou sempre em convulsões. Talvez seja por isso que as imagens de mim são tão borradas. Minhas fotos nunca são belas. Aceito minha dor e gosto de falar dela, até demais. A dor faz tudo parecer mais heróico, mais digno. Porém, não aceito sua dor. Não porque não possa, mas porque não quero. E não é por maldade, é por respeito. Sou o tipo de pessoa que foge de tudo, tenho medo do mundo e de todos e tenho consciência de que corri de você. Não, você não se sente amada. Nunca se sentiu e jamais acreditou em mim. O meu amor é feio, pois nasce de uma alma covarde, que esconde o rosto e vira as costas para quem olha em sua direção. Adimito agora o maior dos meus segredos: tenho tanto medo. Não gosto da rua, não gosto dos olhos, não gosto das mãos... e os quero tanto! Você confundiu minha tristeza fria com indiferença, meu reflexo nervoso com agressividade. Será possível ter fobia de viver? Se você tiver de ir embora, vá! Seja feliz! Não há ironia em minhas palavras, ou suplica. Há resignação, aceitação. Conto meus passos pelas coisas que perdi e vejo meu futuro em dores que virão. Esse sou eu! Não sou de pedra, não sou indiferente, não sou bonito, não sou confiante, falo demais, escrevo demais, repito demais... Trago de volta algo que já disse várias vezes. Estar comigo é doloroso e isso sempre me incomodou mais do que qualquer coisa. Essa é a única maneira de falar de mim que eu conheço, mas conheço inúmeras outras para falar de você, sabe por quê? Você me ensinou a viver. Faz anos que eu sou uma cópia imperfeita sua. Cada passo, cada gesto, cada sorriso, só para ver se consegueria amar igual. Sabe qual é o nosso problema? Eu quero te arrastar para o buraco comigo. Eu já sabia que algum dia você iria me esquecer, eu aceito isso. E repito, não é por maldade, é por respeito. E se não for atrevido demais, por amor. Portanto, se você tiver que me esquecer, esqueça! Vá embora para longe, se isso te fizer feliz. Contanto que eu não seja mais a causa da sua dor. Pode soar egoísta para você, como tudo que eu digo soa, mas não é. Se eu sou apenas esse monstro para você, essa dor tão absurda, me deixe. Mate esse monstro. Pois eu não posso fazer isso, não pego em armas. Não sei lutar. Aceito com resignação cada decisão sua, sentado nessa velha poltrona vermelha, olhando por esse mesmo vidro, sentindo o mesmo medo enorme de que você seja sensata o suficiente de nunca mais olhar para trás e eu termine sozinho, posto que jamais deixarei ninguém chegar tão longe aqui dentro quanto você chegou. Você é o último tesouro que possuo e eu estou mais do que disposto a perdê-lo, desde que você esteja bem e em paz. Para isso deixarei de ostentar com orgulho e inveja esse mínimo estilhaço de porcelana que carrego grosseiramente enfiado em meu peito. Tiro-o agora e estendo-o a você. O que você quer que eu faça?

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013 às 20:45 , 0 Comments