Sentei-me aqui e resolvi relembrar. Faço isso com frequência. Essa poltrona vermelha já ouviu tanto de mim. Conto-lhe o que passa por aquela janela ali, minha querida companheira.Vejo através do vidro basso em mosaicos, pedaços de imagens. Algumas pessoas atravessam por engano a janela e ficam presas aqui comigo durante um tempo, em carne viva, doloridas e cortadas. Esfrego-me em suas feridas excitado, lambendo o sangue de sua genitália, ardendo de prazer enquanto gritam. E enfio meu pau sujo e inchado em seus cortes, infecionando e abrindo ainda mais as feridas. Estupro-lhes até que seus cus estejam largos e as fezes escorram pela perna incontidas. Chupo seus pintos até que gozem sangue, enquanto aperto suas bolas até estourar. Mordo suas vaginas até que pedaços de carne me saiam na boca. Depois, tiro-lhes os cacos, sem anestesia. Sádico, lhes arranco a pele morta e costuro o que resta vagarosamente, que é para olhar as entranhas e vê-los sangrar . Mas, eventualmente, acabam se recuperando e arranjando um jeito de sair. Não me importo tanto assim.
Desaprendi a amar há muito tempo, por falta de prática. As pessoas não merecem amor, são todas hipócritas, eu incluso. Tem gente que passa a vida reclamando, outros criticando, uns ofendendo e ainda tem os que mentem, só para depois dar as mãos à todos os antes odiados e dançar com os primeiros que estenderem a mão. Acho que é isso que buscamos, mãos estendidas para nos puxar da agonia desse eterno afogamento que é a vida real. Um outro alguém, que suavemente lhes toque os lábios com os seus e sopre, tirando-lhes a água negra e amarga dos pulmões, em uma torrente fulminante que os esturrique a traqueia e os tire a voz .
Sou um velho. Grisalho do tempo que não vivi, de mil arrependimentos. A pele enrugada é cheia de dobras nos tantos lugares intocados, que se esticaram para as mãos que passaram longe demais. Banguelo e com a língua podre de maldizer os que vivem bem e felizes. Impotente de tanto gozar sozinho bilhões de sonhos em esperma branco e pálido. De pés tortos e mofados, atrofiados por viver sentado. Entretanto, tenho ouvidos atentos e olhos de águia. Sinto esse mundo inteiro com tanta intensidade que fico paralítico. Tenho um cérebro vivo, cujo corpo não responde. Tenho uma voz alta, potente, aguda e vibrante, soterrada em uma garganta fechada e curta demais para produzir som.
Do lado de fora do vidro, há um grande teatro. De vez em quando, todos temos de participar de alguma peça. Arrasto-me até lá e tento achar pessoas que estejam dispostas a contracenar. E quero tanto acreditar. Entrego-me de corpo e alma à obra, sinto cada palavra que digo, sou cada sorriso e cada lágrima derramada, existo ali naquele personagem e esqueço que tenho de voltar. Só para depois descobrir que todos seguem um script e nada dito ali é de verdade. Acreditei que 'sempre' era sempre. Que 'ninguém' era ninguém. Que há coisas que nunca mudam. Mas tudo muda. As pessoas mudam e o que você tem a oferecer, as vezes, não é suficiente. E eu não fui diferente.
Tive o prazer de uma longa companhia que se foi. Pude observar longa e duramente enquanto nos afastávamos cada vez mais. Enquanto cada um escolhia um caminho e seguia por uma direção diferente e incongruente. Já fomos iguais, ah se fomos. Ela também teve o mesmo apetite que eu. Porém, seguimos caminhos diferentes. Eu espero dentro dessa casa. Essas paredes são meu corpo e estou seguro aqui dentro. Ela não quis segurança, quis experimentar. Nunca se contentou com um corpo por vez, queria vários, queria o mundo inteiro. Eu lhe chamava arrogante, ela me chamava medroso. Sou, na verdade, invejoso.
Que bom que nos conhecemos antes então, pois acho que nos odiaríamos agora. Sinto que sempre precisarei de sua companhia, tanto quanto antes, embora ela não seja minha mais. Encontrei ao longo do caminho outras sombras para serem queridas, outros corpos para usar, e eventualmente, compartilhar da minha loucura, mas só cometi o erro de deixar que se aproximassem tanto algumas poucas vezes e há tempos que não permito mais. Cada uma, a seu tempo, foi-se distanciando. Parece-me que todas elas estão me deixando para alcançar suas próprias vidas em lugar onde eu não as possa abusar mais. Fui e sou eternamente dependente, ainda que exija demais. Abuso até matar aqueles que me cercam e é por isso que a minha volta só existem corpos. E memórias. E um amor tão grande e doloroso, insuportavelmente pesado, esmagador. Alguns o aceitam, mas descobrem que não é o que esperavam. E sobram no fim somente eu e essa poltrona, acorrentados para sempre um ao outro, nesse silêncio que sempre volta para me perturbar, nessa solidão que é a única verdade, olhando enquanto pouco a pouco a cortina se fecha.
E no fim, ao que parece, há ainda tanto restante aqui, que acabo imitando você. Não foi por querer e é por isso que não estou triste, pois ainda tenho tudo aquilo que suguei guardado em mim, e é o bastante para sobreviver por enquanto.
E no fim, ao que parece, há ainda tanto restante aqui, que acabo imitando você. Não foi por querer e é por isso que não estou triste, pois ainda tenho tudo aquilo que suguei guardado em mim, e é o bastante para sobreviver por enquanto.